quarta-feira, 6 de maio de 2020

O medo das ondas

Se tu foge o tempo logo traz ansiedade

Respirar o amor aspirando liberdade
(Daniela Mercury. Nobre Vagabundo.) 




Sabe quando a gente é criança e nossos pais nos levam à praia pela 1a vez? A gente fica maravilhado com as ondas, mas ficamos meio ressabiados com aquele movimento estranho de vai-e-vem, como se quisesse nos pegar.

A onda retrocede e a gente avança, quer entrar dentro do mar e fazer parte daquilo. Mas aí a onda vem, forte, impetuosa, barulhenta, e a gente corre pra trás, morrendo de medo.

Tem uns carinhas que nos dão vontade de namorar, de passar mais tempo junto. Nos geram um sentimento que nutre aquela certa carência de ter um chamego (gente, que palavra mais antiga, pelo amor de deoooosss kkkk). 

É como se a nossa criança interna conhecesse o mar e quisesse entrar. Mas aí vem uma onda e faz a gente voltar, faz a gente sentir medo do que pode nos acontecer (vamos nos machucar? nos afogar? beber água e comer areia?).    

Hoje foi um dia em que [mais uma vez] me dei conta de um movimento que acontece pra mim e que reflete o meu dilema central de vida. Veio um carinha muito gente boa aqui em casa, daqueles papos retos no app, sem enrolação. A conversa virtual mínima, suficiente pra se combinar um encontro ao vivo. 



Um cara normal, trabalhador, papo gostoso, um certo charme de nerd (como ele próprio se define), barbudo e com o peito peludinho.  Chegou, conversamos brevemente, ele me abraçou e começamos a nos beijar. Sintonia boa, fomos pro quarto, tiramos a roupa e nos comemos por umas 4 horas. 

Entre uma e outra, ficamos abraçados, conversamos, cochilamos, compartilhamos músicas prediletas, falamos um pouco de nós. Eu reparava na beleza do rosto dele e nos pelos do seu corpo alvo.

O bônus no final foi uma ducha a dois super gostosa, espontânea. Eu deixei ele entrar primeiro, dei a toalha. E quando a água esquentou, ele me chamou pra entrar (eu sou como os vampiros, hahaha, só entro onde sou convidado). 

Nos ensaboamos, um lavou o cabelo do outro... bicho, você faz ideia de quanto tempo eu não tinha uma experiência intimista dessas? 


Uma hora ele me perguntou se eu estava solteiro. Falei que sim, que havia namorado há um tempo (assunto pra outro texto aqui) mas que havia terminado e que era algo bem resolvido, que teve seu valor mas que ficou localizado no tempo e espaço. Ele falou da última experiência dele, que não foi das melhores, mas assim como eu, disse que havia ficado solteiro por muitos anos. 

Eu fiquei com uma conclusão na cabeça de que esse carinha estaria aberto a iniciar alguma coisa mais séria e os bons momentos que tivemos me fizeram visualizar que sim, poderia ser alguém que me faria querer passar mais tempo, fazer mais coisas juntos, começar a encontrar com mais frequência pensando num possível namoro. Nessa hora a minha criança interna quis entrar no mar e ir atrás da onda que retrocedia e parecia inofensiva. 

Mas logo depois a criança visualizou a onda voltando forte, ficou com medo e quis retroceder. Será que é isso mesmo que eu quero? (e claro, se for algo que ele também quer - pois estamos acostumados à regra de encontros fugazes dos apps - e aqui não tem nenhum juízo de valor).

Eu venho consolidando há alguns anos um estilo de vida muito solto, livre, já disse isso em vários momentos aqui. Me dá um certo medo (e me bloqueia qualquer possibilidade de tentar fazer diferente) quando penso no tempo que levou pra eu me entender assim, aceitar e gozar! Acessar toda a delícia de se ser o que é, e pensar no quanto ainda pode haver pela frente. 

Uma vez que você encontra o caminho e aprende a trilhá-lo, resta apenas seguir e aproveitar as paisagens! (e não posso negar quantas paisagens boas eu cruzei e curti nos últimos anos).

Se eu me focar numa pessoa só, é como se eu perdesse todas essas (inúemras) possibilidades. Elas podem, quase todas, ser fugazes, pouco profundas, mas nem por isso deixam de ser intensas e prazerosas. E até esse instante, eu não vejo como isso possa ser "vantajoso" pra mim (vou usar o termo 'vantajoso' muito entre aspas). 

O que eu perco me focando em uma relação parece [muito] maior do que eu perco não estando em uma relação (e talvez eu seja uma das poucas pessoas que pense assim - para a grande maioria, perde mais quem está fora de uma relação). 

Eu acho bem difícil ser possível o que a música da Daniela fala: não dá pra respirar amor, aspirando liberdade.

Não sei ainda o que vai acontecer. Ele se despediu meio friamente, não sei realmente se o calor da cama quis dizer algo mais. Mas o que sei é que gostaria de reencontra-lo e ter outros momentos tão bons como os dessa tarde de quarta feira.