segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Epifania na balada

O acaso só favorece a mente preparada. (Louis Pasteur)

"gente... mas vc não fez nada. Só dançamos e beijamos mais sensualmente." (diálogos sobre sábado à noite)


Tem algumas palavras que me passam beleza e encantamento, como se tivessem algo de mágico no falar e no ouvir. 

Epifania é uma delas.

Umas das traduções no wikipedia a define como "uma súbita sensação de entendimento ou compreensão da essência de algo". Epifania é usada nos sentidos filosófico e literal para indicar que alguém "encontrou finalmente a última peça do quebra-cabeças e agora consegue ver a imagem completa"


Difícil dizer que seja a "última" peça, mas num dos sábados de balada no mês de agosto eu senti essa sensação de "súbito" entendimento de algumas situações, situações essas que revelam desejos meus. E digo súbito 'entre haspas' porque na verdade não é algo súbito... é um acúmulo de vivências e reflexões destas vivência as quais, em um determinado momento, passam a fazer sentido e o entendimento se abre na sua mente.  

Há quase dois anos eu fui "introduzido" e apresentado por amigos a um tipo de festa gay do qual nunca tinha participado (ao menos não dessa forma - este é assunto para outro post, mas falarei brevemente aqui para contextualizar). Ao conhecer e participar desse mundo, tive a sensação de que era algo que sempre quisera usufruir, era um dos elementos da minha tão sonhada liberdade e uma maneira pra lá de incrível para exercer minha sexualidade (que havia sido tão reprimida na adolescência e começo da vida adulta). 

Estas festas, como muitos aqui sabem, tem alguns ingredientes permanentes, partes de um script bem consolidado: excelente música eletrônica, homens sem camisa, aditivos químicos variados e uma abertura para a 'interação coletiva' como eu jamais havia visto. Muito provavelmente deve ser isso que ocorria na década do desbunde e liberação gays nos anos 70 (sobre isso, recomendo fortemente o documentário Gay Sex in the 70s, que retrata o período entre 1969 - Revolta de Stonewall até 1981 - 1os casos reportados de aids nos Estados Unidos).



Nessa balada em específico, eu dançava com meus amigos e vi um cara próximo que me chamou a atenção... era um pouco mais velho do que eu, barba bem feita, pelos bem distribuídos no peito e barriga, fazia uma linha mais slim, magro definido, que me agrada bastante. Começou uma troca de olhares, que de tímida foi ficando mais enfática e isso me deu segurança para me aproximar. Aos poucos fui dançando mais perto dele até que nos aproximamos com as palavras de praxe: oi, tudo bem? qual teu nome? vem sempre aqui? (pode ser clichê, mas as pessoas precisam de algo trivial para começarem a se comunicar). 

É muito legal quando a sedução flui, quando ambos se abrem para interagir, e comigo e o Fernando não foi diferente. Começamos a dançar abraçados, e logo um beijo gostoso que encaixou muito bem. Daí passamos um bom tempo juntos dançando, beijando, nos abraçando e esfregando nossos corpos suados um no outro. Naturalmente a interação levou para algo digamos 'fechado' ali entre os dois... eu naturalmente sou muito carinhoso, gosto de beijar segurando e acariciando o rosto do outro e a gente ficou dessa forma... como diz um amigo meu: "casou na balada"

Só que eu não queria casar na balada, e depois de um certo tempo comecei a querer alguma variação. Neste dia em especial nossa turma estava com um amigo de fora, o André, que tinha vindo ver as olimpíadas e estava passando o final de semana em São Paulo. Ele é meio que um crush recente meu, nos falávamos com certa frequência, mas nunca havia nada declarado. Era a 1a festa deste tipo que o André frequentava, um caso de "late coming out" e a expectativa dele, em bom e claro português, era "passar o rodo" na galera. 

O André gostou do Fernando e me disse isso... "mandou muito bem você"... na minha cabeça, poderia ser uma forma interessante de conseguir variar e ao mesmo tempo beijar o André (eu ainda não sabia se ele também queria me beijar). Então bolei uma estratégia e joguei um verde pro Fernando: "meu amigo André gostou muito de você e quer te beijar. Topa um beijo a três com ele?" 


Pra minha surpresa o Fábio fechou a cara e me disse um sonoro "não". A partir daí ele mudou comigo, ficou seco e claramente não havia gostado nem um pouco do convite. Eu tentei contemporizar, disse "calma, foi só uma proposta, não temos de fazer", mas daí já era tarde... Ele então falou: "vou ali na outra pista procurar meus amigos." Ainda tentei faze-lo ficar, mas o caldo tinha azedado de vez. Bom, eu também já sou grandinho o suficiente pra não ficar fazendo drama e se ele queria ir, que assim o fizesse. Me despedi dele e ele saiu do lugar da pista em que estava comigo. 

Foi exatamente nesse instante que me veio a sensação de entendimento. Ficou claro pra mim o meu desejo e a minha vontade sobre o que fazer na balada... a vontade de interagir com mais pessoas, a liberdade de ir e vir por onde quiser e com quem quiser... esta é a vibe... não quero ir à balada pra ficar parado num canto só... como já dizia a música da Adriana Calcanhotto: "não quero ter de optar. quero poder partir, quero poder ficar, poder fantasiar, sem nexo e em qualquer lugar".

Confesso que não esperava uma reação tão contundente dele, pelo contexto em que estávamos: uma festa onde a sensualidade fica afloradíssima pelos aditivos químicos, álcool, música eletrônica e exposição dos corpos. Mas não necessariamente significa que quem esteja lá queira entrar nessa forma de interação coletiva ampliada. O Fernando não queria. Preferia ficar com uma pessoa só, a balada toda. E ele tem todo o direito de fazer assim, claro. Eu não devia ter generalizado. E descobri isso de uma forma não muito legal, ao lhe propor o beijo a três (que diga-se de passagem, é algo que eu adoro e trato de forma absolutamente natural).

À medida em que frequento essas festas, eu vou construindo o meu itinerário. Por isso escolhi falar de epifania aqui. Essa sensação de "awareness" (eu gosto desse termo em inglês, algo como entendimento, estar a par de uma situação ou contexto), de pensar "hum, antes eu não sabia que queria isso, mas agora eu consigo ver", ou mesmo "hum, eu não sabia que poderia ser assim, agora que sei, quero que continue sendo"



O Mário, meu brother, reclama que às vezes eu "sumo" na balada... mas é que o Mário gosta muito mais do que eu de música eletrônica e por isso mesmo, ele quer ficar dançando e curtindo a música, as luzes, as batidas. Eu não. Eu também gosto da música, mas definitivamente não é por causa da música que eu saio à noite. A abertura das pessoas para a interação é o que me fascina e o que me chama... charme do mundo, como já dizia Marina Lima. 

Logo após o Fernando se despedir eu fiquei dançando com o André... numa feliz coincidência os outros amigos saíram para o bar e ali era o meu "tudo ou nada". Eu o encarei, ele deu uma risada tímida e essa risada me deu o restinho de coragem que faltava para me aproximar e beijá-lo. Ah como eu fico feliz quando consigo vencer meus medos internos, quando a vontade de arriscar é maior do que o risco de levar um fora. Eu devia ser mais corajoso muitas das vezes... preciso melhorar nisso.   


Essa noite realmente foi muito intensa e recheada de bons e variados momentos. Depois desse beijo ainda aconteceu muita coisa, por incrível que pareça... O André no começo ficou meio receoso de que eu quisesse casar com ele, hehehehe... "vc sabe que estou numa fase meio slut né?  Eu respondi: "cara, não estou te pedindo em casamento... mas já há um tempo decidi que não passo mais vontade na vida e eu não ia te deixar ir embora sem antes te beijar." Feito este esclarecimento e vendo que eu não ia "encarcerá-lo" ele ficou mais tranquilo, e até me propôs sairmos pela pista juntos, para interagirmos com outros caras. Isso é que é convite bom! E foi devidamente atendido... o André, por ser a 1a vez, até que se saiu muito bem e tivemos ótimos momentos. 

André pra mim, fiquei pensando depois, pode ser o meu melhor investimento a longo prazo. Um cara maduro, que preza a liberdade acima de tudo, mas que também tem um coração e, assim como eu, também tem seus momentos de cuddle feelings. Eu acho ele um tipão! Nossa última interação da noite foi com um casal de uruguaios muy calientes que estavam lá. Em um dado momento eu e ele estávamos no meio, abraçados, e o casal uruguaios atrás de nós, grudados na gente... eu olhei para ele e, me referindo ao casal, falei: "tá vendo como dá pra curtir mesmo sendo um casal?" Nesse momento, ele me beijou... e dessa vez, com vontade... um beijo de verdade.


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