domingo, 10 de junho de 2018

Ritos tribais

Corpus Christi - Mais um feriado com mega programação LGBT em São Paulo.

Não deixa de ser engraçado e curioso termos a Marcha Pra Jesus na 5a feira e a Parada do Orgulho LGBT no domingo (com a feira da diversidade também na 5a e a prévia da Caminha das Lésbicas no sábado). Mas é assim que as coisas são e os dois eventos convivem super bem há vários anos (e que assim continue!). 

A festa no estádio da Portuguesa sábado foi incrível! Novamente, alguns fatos que sempre acontecem comigo. Eu não tô muito a fim de ir ao evento, um pouco desanimado, mas faço um esforço pra sair da zona de conforto e me jogar. 

Quase sempre dá certo e o que era uma baixa expectativa se transforma em deslumbre pela sequência dos acontecimentos.
  
Eu estava absolutamente livre, leve e solto nessa festa. Sem peguete, sem crush ou namorado, a pista era um local de infinitas possibilidades. Mesmo que as coisas comecem lentas, devagar, não duvide que uma hora a engrenagem começa a rodar, a velocidade se acelera e a energia começa a ser produzida. 

[já deu pra notar que eu adoro usar metáforas!]

E como disse meu amigo Ìgor: a gente chega e abre a 'barraca do beijo' (inclusive já estamos em mês de festas juninas, mais um motivo!). 

Pra essa transição do nível normal ao nível surreal, obviamente precisa haver algum tipo de catalisador. A maioria dos meus amigos gosta de tomar bala e na sequência um ou dois tiros de key. Eu, particularmente, não me dou muito bem com nenhum deles e prefiro o que chamamos de "Gi" (GHB), que causa efeitos semelhantes ao do álcool: desinibição, coragem e sensualidade. [post futuro sobre aditivos tá aqui no forninho... segura Giovana!] 

Uma tampinha diluída em uma garrafa de gatorade. Essa a receita mágica! E após alguns goles e um tempo pra assimilação, eu sinto uma transformação incrível em mim. É como se surgisse outra pessoa lá dentro e eu, que sou tímido e quieto, fico me sentindo corajoso pra paquerar, abordar as pessoas sem medo de receber um 'não', fico super comunicativo, sensual e carinhoso. O mais legal é que nessa busca você encontra pessoas com energia semelhante e que te retribuem tudo isso na mesma intensidade.


A paquera sempre foi algo complicado pra mim. Se eu não tivesse uma certeza muito grande quanto à reciprocidade do outro, eu não tinha coragem de chegar junto. O medo de receber um 'não' era maior, e até pouco tempo eu tendia a interpretar esse 'não' de alguém como um atestado de menos valia sobre a minha pessoa (já falei sobre isso nesse post aqui). 

Diferente do meu amigo Leandro, um super cara de pau (muita inveja branca dele hehehe) que chega chegando, pode ser de maneira sutil ou de maneira mais incisiva, e que aparentemente não se abate com os vários 'nãos' recebidos. Até porque esses 'nãos' são compensados com muitos 'sims' de caras incríveis. 

O que eu sei é que nesse sábado eu transitei muito bem, com confiança e maestria por muitos corpos, bocas e mentes, abordei quase todo mundo que eu tive vontade (claro, tem uns medalhões carudos que aí é impossível mesmo, a não ser que vc seja, sei lá, o Chris Evans ou o Chay Suede), recebi muitos 'sims' e muita energia boa de caras incríveis e interessantes. Beijei, abracei, dancei...


Eu tava explicando isso pro meu terapeuta com um certo deslumbre [sim, voltei a fazer terapia há uns dois meses e está sendo ótimo - post futuro sobre isso] e ele me saiu com uma explicação bem  interessante. Ele acha que a forma como a sociedade se organiza, em núcleos familiares restritos (pai, mãe e filhos) vai contra a nossa mais primitiva natureza, pois somos assim há muito pouco tempo (em termos de evolução da espécie).

Sempre fomos tribais e o que se passa nessas festas pode ser entendido como um ritual tribal. Pessoas com diversas afinidades dançando juntas, juntando seus corpos suados, descamisados, em uma troca incrível e potente de energia.


E como qualquer ritual, há um certo script, ou roteiro desenhado. Substâncias alucinógenas, modos de abordagem e interação, luzes, adereços, música... ou seja, não deixa de ser um ritual como muitos outros que fazemos ao longo da vida. 


Eu nunca tinha visto as festas por este ângulo, e gostei bastante. 

Conversamos também sobre como estar no meio desse ritual é algo que me faz bem. Meu terapeuta disse que, ao me ver descrever as festas, me imagina como alguém que quer trocar energia com o maior número de pessoas possível e que não vê problema nisso, que não é algo que necessariamente tenha a ver com "sacanagem" (naquele sentido mais moralista do termo). 

E de fato, é assim que me sinto. Me sinto vivo, intenso, potentemente feliz... a energia trocada em um beijo, em um abraço, em  um toque, em um 'encostar' a cabeça no peito de alguém, em sentir a respiração e o suor alheios... tudo isso me faz muito bem. 

E claro, como todo ritual, há um começo, meio e fim (sim, ele acaba e é importante que ele acabe - e que você retome outras coisas na sua vida).

Você pode aprender a se preparar para o ritual para vivê-lo da melhor forma possível e também aprende que há alguns limites a serem respeitados e que é sábio saber a melhor hora de parar (inclusive para poder retornar numa próxima ocasião). 

Fiz tudo isso nessa noite e foi incrível. Cheguei por volta das 20h30 e saí às 04h30 (tá bom, né? kkkk). E como parte do ritual dessas festas, me permito, após, um big sanduba e uma fatia de bolo na melhor padoca de São Paulo, a Galeria dos Pães (inclusive pra compensar o gasto energético de ficar tanto tempo em pé dançando). 

Ao sair da festa, duas reflexões continuaram na minha cabeça.

A 1a, é que acho que preciso ficar um pouco atento, pois em algum momento vejo um leve sinal de compulsividade nesse movimento de beijar todo mundo... é algo que pode ser feito com parcimônia e aproveitando cada momento. Não vale 'beijar por beijar', só pra marcar mais pontos na tabela das irmãs hehehe... you can be a little bit cautious about it, bitch.

A 2a é imaginar se essas práticas que eu tanto gosto seriam compatíveis com um relacionamento. Aberto claro, porque fechado, jamais seria. Acho que pra mim já está claro que dificilmente eu vou conseguir levar por muito tempo um relacionamento monogâmico tradicional (enfrentei um dilema inicial que narrei aqui). E não é uma análise tão elementar, pois mesmo com  um namorado que curta esse esquema, é muito diferente você ir a uma festa dessas sozinho ou acompanhado. A dinâmica tende a ser um pouco diferente.

Temas para continuar pensando... inclusive porque disso decorrem consequências práticas pra mim.